terça-feira, 9 de outubro de 2012

Conjure! - Parte 1



O celular vibrou produzindo solos de guitarra ferozes e rápidos. Os arpejos bem elaborados, a velocidade com que as notas eram atingidas do agudo ao grave, depois, o acabamento final, voltando até o final do braço pressionando todas as casas entre as três cordas de baixo.
A garota despertou.

Desligou o despertador. Relutando muito, virando de um lado ao outro, feito um gato se esticando depois de uma deliciosa soneca, até sair de sua cama. Ainda sobre o efeito do sono, com a visão um pouco borrada de remela que se acumulara durante a noite, arriscou dar um passo.  Deveria ter notado o estranho peso de seu membro inferior antes de tal façanha. A perna dobrou-se quase levando-a ao chão.

- Ai!


A dor aumentou sua consciência, fazendo-a perceber que dormira encima de seu precioso meio de locomoção, enrijecendo-o. O sangue estacado nas coxas enferrujara todo o resto da perna. Não reagia, e nem se quer a sentia, a menos que pressionasse durante um tempo alguma área e viesse a sensação de calor, queimando a pele e tornando a sentir  a mesma dor que sentiu ao cair.

- Droga! - Sentou na cama, balançando aquele pedaço de carne aparentemente morto. Aos poucos, recuperava os movimentos. Lembrando-se do filme Kill Bill, brincou: - Mexe dedinho. Mexe dedinho.

Finalmente, com a circulação sanguínea nos eixos e seus movimentos perfeitos, saiu do quarto rumo ao banheiro. Fez o que devia ser feito, em seguida, iniciou sua escovação de dentes matinal. Ouviu a janela abrindo, mas permaneceu fiel ao seu protocolo cotidiano.

- Bom dia!

Dissera com a boca cheia de pasta. O ser desconhecido que causara o alvoroço anterior respondeu: - Miau.
Uma linda gata de pelos brancos, um olho verde e outro azul. Enxaguou a boca e foi até a cozinha preparar o café da manhã. Até ai, nada anormal dos outros dias. Até ai....
De súbito, a janela da sala começou a chacoalhar bravamente. A garota deu um pulo.

- Nina? - A gata não respondeu: - Nina!

Caminhou com passos calmos e incertos, chegando a frente da porta da sala, desconfiada: - Nina?!
A janela continuava vibrando intensamente, a respiração da moça ficara curta de medo. Puxou a vassoura que estava encostada na parede, utilizando-a como arma, caso fosse necessário.

- Miau! O coração da moça disparara, virando rapidamente para o lado, num reflexo imediato: - Ah! Exclamou, suspirando e rendendo-se ao papelão que havia cometido. Levou a mão ao peito: - É você sua boba.

- Miau. - a gata saíra do quarto ao lado. O barulho assustador parara.

- Que susto você me deu. Não faça mais isso, viu! - sentenciou.

- Desculpe. - disse uma voz grave. A garota olhou para o felina atentamente, crendo que o som havia saído dela. Encarou seu pares de olhos coloridos e claros esperando uma resposta, mas nada. Levantou-se balançando a cabeça.

- Eu devo estar ficando maluca. - riu. Assim que virou para trás, sem se dar muito conta do seu ato, afundou a cabeça inclinada pra baixo em algo sólido, porém fofo. Com a visão para o solo, viu um par de sapatos grandes e foi subindo levantando-a.: viu uma calça jeans rasgada preta, depois, uma camisa xadrez aberta por cima de uma camiseta lilás escura. Em seguida, um colar prateado com um pingente vermelho, brilhante. Um pescoço humano parecendo um touro, branco. Mais adiante, um queixo fino no maxilar largo, os lábios semi-carnudos, o nariz reto. E, por fim, os olhos. De um cinza bem leve, quase brancos, e o cabelo médio desarrumado coberto por um boné preto virado para trás.

A fala não saia, os pensamentos procuravam uma explicação, ignorando por completo seu senso de sobrevivência anteriormente exaltado.

- Perdoe minha indelicadeza. - o moço falou, tirando o boné e reverenciando a donzela. - Não estou acostumado com esse tipo de janelas. - A gata deu um salto nas costas arqueadas do homem. Conforme ele se erguia, ela foi subindo pelo ombro numa harmonia incrível. Como um papagaio, o animal repousava tranquilamente no grande tronco do rapaz: - É muito simpática sua serva, senhorita.

Retomando a consciência, a garota esticou o braço com a vassoura para trás, prestes a deferir um ataque: - Socorro! Bateu. O pedaço de madeira se partiu ao meio quando encontrou a testa do homem. Ela se assustou, tanto com o barulho, quanto com a dureza do crânio.

Ficaram parados. O gato se jogou para o lado e o corpo enorme fraquejou, balançando e caindo de frente encima da garota, sem dar tempo para que ela corresse. Sentia o peso sobre ela quase sem conseguir se mexer: - Socorro!

Tomou outro susto a ouvir um: Bu! Dessa vez, da gata que andava do seu lado: - Foi por pouco. - a voz saia meio fina, comparada a do verdadeiro interlocutor.

Ficando cara-a-cara com o animal, que exibia agora uma ampla dicção e expressões faciais. Concluiu:

- Eu não estou ficando... eu estou louca.

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